Coluna

À espera de um milagre (econômico)

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Ministro da Economia, Guedes tem sido criticado pela ausência de políticas de geração de emprego e aumento do nível do consumo
Ministro da Economia, Guedes tem sido criticado pela ausência de políticas de geração de emprego e aumento do nível do consumo - Fernando Frazão / Agência Brasil
Guedes tirou da cartola a manjada ideia de liberar saques do FGTS e do PIS-Pasep

Chegamos à 50ª edição do Ponto. Desde julho de 2018 entregamos na sua caixa de entrada um resumo das principais informações e análises sobre a conjuntura política brasileira. Aproveitando a marca das 50 edições, decidimos reformular a apresentação da newsletter. A ideia é torná-la mais objetiva e ir cada vez mais direto ao ponto. Caso tenha alguma crítica ou sugestão, responda a este e-mail e faça seu comentário. Agora vamos a oito pontos para entender a semana e projetar o que está por vir.

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1. Vire-se. O ataque às universidades federais, à educação pública em geral e às humanidades em particular, ganhou nome nesta semana: “Future-se”. O programa do MEC tem como base três eixos: gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização. A Carta Capital descreve ponto a ponto cada um destes eixos. Em resumo, o Future-se poderia ser traduzido como um recado às universidades públicas: virem-se. O programa vai funcionar por meio de um contrato de gestão entre União, universidades e uma organização social, que poderá participar da gestão de gastos do dia a dia. Essas organizações também poderão interferir na execução de planos de ensino, pesquisa e extensão e auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis das instituições. Poderão ser constituídos fundos imobiliários e patrimoniais para a venda ou concessão de imóveis e terrenos ociosos. O secretário de Educação Superior, Arnaldo Lima sugeriu que os terrenos sejam transformados em shoppings. O programa propõe também o uso da tão atacada Lei Rouanet para a captação de recursos para museus ligados a universidades e também a comercialização de “naming rights”, que permite a empresas e patrocinadores nomearem prédios ou até mesmo campi das instituições. O projeto precisa ser avaliada pelo Congresso Nacional por meio de projeto de lei após uma consulta pública feita pelo MEC. Teoricamente, a adesão ao programa é voluntária. O colegiado de reitores pediu tempo para avaliar a proposta, mas já declarou que a apresentação de mudanças na gestão e no financiamento sem discussão prévia com universidades é algo inédito. No UOL, os especialistas ouvidos pelo portal classificaram o projeto como vago e pouco transparente; não resolve o problema imediato da falta de verba; acena com recursos incertos e sem liquidez; desresponsabiliza o poder público no financiamento do ensino superior público; joga na educação a responsabilidade pela solução de problemas econômicos; ameaça ampliar desigualdades entre universidades, cursos e áreas; e não contempla a expansão da rede. Entidades de trabalhadores e estudantes das instituições de ensino superior divulgaram nota afirmando que o Future-se tem como objetivo desresponsabilizar o Estado do financiamento da educação superior, pôr fim à carreira pública de servidores federais e reverter a democratização da universidade dos últimos anos.

Para a jornalista Helena Chagas, Bolsonaro flerta perigosamente com o único tema até agora capaz de levar uma boa quantidade de manifestantes às ruas. Na terça (16), a UNE protestou em frente ao MEC contra o projeto. A manifestação foi interrompida por agressões e spray de pimenta por parte da força policial. Já na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), estudantes ocuparam o campus de Redenção (CE) em protesto contra a suspensão por interferência do MEC do edital que previa um processo seletivo específico para estudantes transgênero e intersexuais.

2. Tá uma maravilha. Coincidência ou não, depois que a PEC da Previdência passou em primeiro turno na Câmara começaram a pipocar análises dando conta de que não haverá recuperação da economia com a reforma da Previdência, exatamente o contrário do que diziam seus defensores. Para os analistas, um dos motivos é a ausência de uma política de geração de empregos e aumento do nível do consumo. Na terça (16), a Instituição Fiscal Independente do Senado divulgou um relatório que indica a possibilidade de o Brasil entrar em recessão técnica, isto é, apresentar uma queda no PIB por dois trimestres consecutivos. Porém, para os pesquisadores do Monitor do PIB da FGV, não existe essa possibilidade, uma vez que houve avanço de 0,5% de abril para maio. Na avaliação da FGV, tudo indica que o PIB do segundo trimestre vai ser positivo, mas no ano não vai crescer acima de 1,0%. Não é por nada que Paulo Guedes tirou da cartola a manjada ideia de liberar saques do FGTS e do PIS-Pasep para movimentar o mercado interno e tornar o cenário econômico menos catastrófico para o governo. A medida, ainda em discussão, desagradou justamente a campeã de geração de empregos nos últimos anos, a construção civil, já que os recursos do fundo têm sido a principal fonte de financiamento para a habitação social e o saneamento básico no Brasil.

Ao que tudo indica, Guedes vai seguir sua fórmula econômica mágica: reduzir o Estado ao máximo na esperança que a iniciativa privada se anime para investir ou compre o que o Estado abandonou. No pacote de maldades para o segundo semestre, estão a reforma tributária, a revisão de benefícios sociais, redução do funcionalismo e enxugamento do Estado. Começando pela MP Liberdade Econômica, uma segunda reforma trabalhista disfarçada, como alerta Leonardo Sakamoto: a medida inclui flexibilização da CLT para contratos acima de 30 salários mínimos, trabalho aos domingos e feriados sem permissão prévia, exclui a obrigação de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) em pequenas e médias empresas, além de promover a isenção de visita de fiscalização em alguns casos de infrações trabalhistas, o descontrole do ponto na jornada de trabalho e mudanças na responsabilização econômica de empresas. Ainda, outro projeto deve reduzir as regras e normas nas concessões públicas (vulgo privatizações) para que o volume do capital privado seja maior do que o público nas obras.

3. Reforma da Previdência: derrota elástica, mas tem o segundo tempo. Na semana passada, trouxemos análises que indicavam que a vitória governista seria um “terceiro turno” da eleição presidencial, dado o tamanho da derrota sofrida pelos opositores. Líderes da oposição discordam dessas análises. No começo da semana, por exemplo, o deputado Alessandro Molon (PSB) mencionou a retirada de pontos drásticos da proposta original como resultado do trabalho da oposição e disse acreditar que a sociedade vai mudar visão sobre a reforma. O segundo turno para a votação da Câmara começa em agosto, após o recesso e as cinco sessões regulamentares de intervalo. Até lá, a oposição acredita que poderá reforçar a mobilização. A CUT está propondo ações locais entre os dias 5 e 12 de agosto e um dia nacional de lutas no dia 13. Enquanto isso, Bolsonaro afaga o Centrão e depois da liberação de emendas parlamentares, autorizou a nomeação de cargos de segundo e terceiro escalão em empresas públicas federais. Já João Doria e Rodrigo Maia - alguém falou em chapa presidencial aí? - ainda lutam para incluir Estados e municípios na reforma no senado.

4. Make mamata great again. Segundo pesquisa do Instituto Paraná, 65% da população não aprova a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada dos Estados Unidos. Mesma opinião da maioria do STF: para os juízes, um embaixador representa o Brasil, não a pessoa do presidente, por isso a súmula que libera autoridades para nomear parentes em cargos de confiança não se aplica neste caso. Mesmo a escolha de parentes para cargos políticos requer, de acordo com as regras, qualificação técnica, o que está ausente em Eduardo Bolsonaro. Apesar das credenciais de fritar hambúrguer numa lanchonete que não tem o prato no cardápio e ter pós-graduação sem ter concluído o curso, no Senado o líder da minoria Randolfe Rodrigues (Rede-AP) aposta que a oposição já tem votos para barrar a nomeação de Eduardo Bolsonaro, mas também trabalha com a estratégia de ação no STF. Os senadores também apostam no desgaste político e pretendem que os votos sejam abertos e não secretos como prevê o regimento. Diante da rejeição a indicação do filho, Bolsonaro reagiu de forma bastante adulta e levantou a hipótese de trocar as funções de Eduardo e do chanceler Ernesto Araújo. Nesta quinta (16), durante o ato de 200 dias de governo, Bolsonaro teceu loas ao presidente do Senado, de olho na aprovação do filhote. À noite, em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro deixou claro que está defendendo o nepotismo, embora diga que não, em sua tortuosa linha de raciocínio. Em tempo: no Globo, Ancelmo Góis mostra que a hashtag #EduardoEmbaixadorSim chegou aos assuntos mais comentados do Twitter, mas que metade do número total de tuítes veio de apenas 10 “pessoas”.

5. Vaza Jato, novos capítulos. Nesta semana, as novas revelações da Vaza Jato focaram na postura do promotor Deltan Dallagnol vivendo dias de superstar no combate à corrupção. Deltan discutiu com colegas a criação de uma empresa em nome de familiares para lucrar com palestras, debateu estratégias de comunicação com Moro e pediu recursos que ficavam sob a guarda do então juiz na 13ª Vara Federal de Curitiba para um vídeo publicitário. Para uma palestra no Ceará, Deltan pediu passagens e ingressos para o Beach Park para toda família. Um terceiro integrante do STF aparece nos vazamentos agora: Luís Roberto Barroso convida Deltan e Moro para um jantar  "reservado e privado". Ainda mais graves, são as novas provas de que Moro realmente dirigia a operação, como a revelação de uma reunião para definir prioridades da Lava Jato e a interferência na negociação das delações. Moro avisou aos procuradores que só homologaria as delações da Camargo Corrêa se a pena incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado. A lei proibe que juízes se envolvam nas negociações das delações. A repercussão aumentou a rejeição ao nome de Moro no STF, pelo menos para Marco Aurélio Mello que torce que “ele não ocupe a cadeira que deixarei em 2021". O descontrole do uso das delações fica evidente também no depoimento do ex-executivo da Odebrecht Carlos Armando Paschoalao ao TJ de São Paulo, sem nenhuma relação com a Lava Jato, em que afirmou que foi "quase que coagido a fazer um relato sobre o que tinha ocorrido" e que teve que "construir um relato" no caso do sítio de Atibaia. A defesa de Lula quer a íntegra deste depoimento.

Como a cada nova vazamento, a turma da Lava Jato ensaia um contra-ataque. O The Intercept alertou que a Polícia federal poderia realizar uma operação fantasiosa, prendendo o suposto hacker que confessaria ter adulterado o material enviado para o portal. Raquel Dodge ainda recebeu os procuradores para explicações e publicou uma nota em apoio a operação após a reunião. Mas o “apoio institucional” de Dodge não satisfez os procuradores que esperavam uma manifestação enfática. Ainda na PGR,  o coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato procurador José Alfredo de Paula Silva pediu demissão, alegando motivos pessoais. A Folha, porém, atribui a descontentamentos de Silva com Dodge. Ao que parece, os vazamentos a conta-gotas têm sido suficientes para arranhar a imagem do MPF e já causam descontentamento entre os procuradores em geral. Ou ao menos, cisão. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculada à mesma PGR, divulgou nota na segunda (15) criticando a Lava Jato e defendendo "a liberdade de publicação" das mensagens. No dia seguinte, a corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu investigar Deltan e seu colega Roberson Henrique Pozzobon especificamente sobre a realização de palestras pagas.

6. Nem cabo nem soldado. O presidente do STF Dia Toffoli acolheu pedido da defesa de Flávio Bolsonaro e suspendeu temporariamente todas as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal sem autorização prévia da Justiça. A decisão de Toffoli agradou apenas a família Bolsonaro. As críticas juntaram desde Janaina Paschoal até Guilherme BoulosA decisão não foi bem recebida no próprio STF e alguns ministros preferiam que o julgamento da questão fosse antecipado. “A decisão é certa, mas foi tomada em momento tendencioso. Essa decisão deveria ter sido tomada faz tempo. Por que só agora, com o Flávio Bolsonaro como réu, foi tomada?”, criticou a advogada Tânia Mandarino, dos Advogadas e Advogados pela Democracia. No Globo, Bernardo Mello Franco lembra que a decisão de Toffoli pode beneficiar o ex-PM Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco. Já a Folha avalia que com a medida, Toffoli reforçou “a boa relação com Bolsonaro” e espera ter peso na escolha do próximo nome da PGR.

7.   Menos remédio. Nas últimas três semanas o Ministério da Saúde rompeu contratos firmados com laboratórios públicos de produção de remédios que eram distribuídos gratuitamente para a população. São 19 medicamentos que deixarão de ser entregues pelo SUS, atingindo mais de 30 milhões de pacientes transplantados ou que sofrem de câncer ou diabetes. Os laboratórios que fabricam por PDPs fornecem a preços 30% menores do que os de mercado. Laboratórios com excelência reconhecida dentro e fora do Brasil, como Biomanguinhos, Butantã, Bahiafarma, Tecpar, Farmanguinhos e Furp são alguns dos atingidos pelo cancelamento que deve gerar uma perda anual de R$ 1 bilhão. Além do risco de desabastecimento, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato manifestaram preocupação com a perda de soberania e domínio tecnológico, já que ao invés dos laboratórios públicos, o ministério deverá adquirir os medicamentos de empresas privadas.

8. Ponto final. As nossas recomendações de leitura:

- Um bloco de reportagens para entendermos a política externa brasileira: em entrevista para a BBC, o chanceler Ernesto Araújo fala sobre a Aliança Liberal Conservadora pautada pela ruptura com pautas globais como as mudanças climáticas e princípios históricos da agenda de direitos humanos. Na Época, o sogro de Araújo, o embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ex-secretário-geral do Itamaraty, diz que “falta clareza” à política externa brasileira. A Época ainda avalia que quanto mais o governo brasileiro se aproxima de temas caros à nova direita americana, mais longe fica do que se convencionou chamar de marcos da diplomacia do Itamaraty. Sobram bajulação e subserviência aos Estados Unidos, avalia Celso Amorim. A Piauí mostra como a nomeação desagradou Olavistas e militares.

Entrevista de Sebastião Salgado ao Estadão, onde o fotógrafo relembra a vista ao garimpo de Serra Pelada há mais de trinta anos e critica a atual política indigenista do governo.

Infográficos e análises do Acordo Comercial União Europeia e Mercosul pela Piauí: o principal produto que o Mercosul para a Europa é farelo de soja: em 2018, foram 5,7 bilhões de dólares. Para cada dólar de farelo de soja que exportou, o Mercosul importou dois dólares de máquinas – como motores, válvulas e centrífugas, principal produto importado da União Europeia (foram 9,5 bilhões de dólares em 2018).

O mapa de todas as privatizações pretendidas pelo governo no Estadão.

- Praticante de tiro, defensor do armamento e do governo Bolsonaro: o perfil do advogado que iniciou a campanha contra a presença de Miriam Leitão na Feira do Livro de Jaraguá do Sul (SC) na Folha.

Edição: Daniel Giovanaz