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"Pacote de Moro é licença para matar favelado", diz mãe de jovem morto pela polícia

Nesta terça (2), mais de 70 organizações e movimentos populares lançaram campanha contra pacote "anticrime" no Rio

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Lançamento da campanha “Pacote Anticrime: uma solução Fake” no auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Lançamento da campanha “Pacote Anticrime: uma solução Fake” no auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Jaqueline Deister

Na manhã desta terça-feira (2), ocorreu o lançamento da campanha “Pacote Anticrime: uma solução Fake”, no auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, no centro da capital fluminense. Ao todo, mais de 70 organizações da sociedade civil e movimentos populares integram a iniciativa que já ocorreu em Brasília e São Paulo.

O chamado pacote "anticrime", apresentado em fevereiro pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, está tramitando no Congresso Nacional por meio dos projetos de lei 882/2019 e 1864/2019. A proposta tem sido alvo de críticas de diversos setores sociais, pois, segundo juristas e defensores de direitos humanos, a medida poderá agravar a crise no sistema carcerário, a violência urbana e as mortes em decorrência de intervenção policial.

Além de membros do judiciário, o evento contou também com a presença de mães que perderam os seus filhos assassinados. Um dos momentos mais marcantes do lançamento foi a fala de Ivanir Mendes dos Santos. Ela integra a Frente Estadual pelo Desencarceramento e a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência. Segundo Ivanir, que teve o seu filho único morto em 2016 por policiais no Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, no Rio de Janeiro, o pacote legitima uma política de extermínio da população negra e pobre que já está em curso no país.

“Quando você vê os autos de resistência, vemos o que já vem acontecendo há muito tempo. Aqui no Rio existe a súmula 70 [que autoriza a prisão apenas com a palavra do policial]. E quando a gente está na rede de mães, vemos vários casos que são a mesma coisa. Estamos aqui porque acreditamos numa política transformadora e esse pacote veio para matar pobre, preto e favelado”, afirma.

Para a desembargadora Simone Scheiber, que também compôs a mesa do evento, é preciso falar sobre os riscos de aprovar esse pacote no Congresso Nacional. Segundo ela, um dos principais problemas do projeto de Moro é o encarceramento em massa que vai na contramão de uma recomendação do próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

“O STF já se manifestou dizendo que o sistema penitenciário brasileiro reflete um estado de coisas inconstitucional. Como não se consegue assegurar os direitos que a lei prevê dentro do sistema penitenciário, como as pessoas estão em situação calamitosa, deveria haver um plano de desencarceramento encampado pelo poder executivo, legislativo e judiciário. O STF afirmou isso e esse projeto de lei vem na contramão. Se esse dinheiro fosse investido em políticas públicas de inclusão que permitissem que as pessoas vivessem melhor, seria muito mais eficiente para a segurança pública”, ressalta a integrante da Associação Juízes para a Democracia.

Emmanuel Queiroz, que coordena a Defensoria Criminal da Defensoria Pública do Rio, complementa que a campanha que debate o pacote "anticrime" difere de São Paulo e Brasília, pois ouve as pessoas que sofrem diretamente com as violações de direitos e a violência estatal na periferia. De acordo com Queiroz, a proposta de Moro amplia a possibilidade de defesa das corporações policiais, o que agrava a violência nas comunidades.

“Esse pacote, embora endureça, aumente a pena e retire direitos processuais das pessoas, ele estende uma possibilidade maior de defesa para as corporações policiais. O pacote que é dito anticrime, só olha para um grupo, para que ele tenha melhor condição de defesa, exatamente as forças públicas de segurança”, ressalta.

Alerta

As organizações e juristas que compõem a campanha alertam que existem cinco pontos perigosos na proposta de Moro: o incentivo do uso da força letal pelas polícias; a possibilidade de aumento do feminicídio, uma vez que crimes cometidos mediante medo, surpresa ou violenta emoção terão a pena suspensa ou reduzida pela metade; a dificuldade em prevenção à tortura devido a substituição da audiência presencial com o juiz por uma videoconferência; o aumento da prisão provisória, que viola o princípio de presunção de inocência e início da pena em regime fechado que atenta contra o direito da ampla defesa.

A semana de luta contra o Pacote Fake acontece até sexta-feira (5). Uma série de atividades como aula pública e atos estão previstas. Toda a programação do evento está disponível no Facebook.

Edição: Mariana Pitasse