Rio de Janeiro

MORADIA

Em Niterói (RJ), população é despejada de prédio no centro da cidade

O edifício possui 382 unidades habitacionais e 13 lojas. Cerca de 1.500 pessoas chegaram a morar no edifício

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Pela calçada em frente ao edifício, armários, colchões, geladeiras e sacos pretos reúnem os pertences pessoais dos mais de 50 moradores
Pela calçada em frente ao edifício, armários, colchões, geladeiras e sacos pretos reúnem os pertences pessoais dos mais de 50 moradores - Foto: Jaqueline Deister

Seis horas da manhã. Avenida Ernani Amaral Peixoto. Policia Civil, Polícia Militar, Bombeiros e Guarda Municipal se reúnem nos arredores do número 327 da principal rua do centro de Niterói e instauram um clima de medo. O motivo: cumprir uma ordem judicial de desocupação do edifício Amaral Peixoto, conhecido como prédio da Caixa.

Pela calçada em frente ao edifício, armários, colchões, geladeiras e sacos pretos reúnem os pertences pessoais dos mais de 50 moradores que permaneceram no edifício até vencer o prazo da desocupação voluntária estabelecido pela Justiça. Entre lágrimas, moradores se desesperam com a incerteza do futuro para aqueles que a moradia não chega a ser um direito.

Tereza Cristina Alves de Souza tem 65 anos e mora há sete anos no 327 da Avenida Amaral Peixoto. Ela é uma das moradoras que se recusa a sair do apartamento. “Eu não vou sair, comprei, paguei e não vou sair. Eu comprei. Eles querem o prédio porque isso aqui é uma mina de dinheiro”, relata.

O prédio possui 382 unidades habitacionais e 13 lojas. Cerca de 1.500 pessoas chegaram a morar no edifício que há anos é palco de conflitos de interesses em Niterói. Há cinco anos, uma operação da Polícia Civil entrou no edifício e pôs fim a prostituição que ocorria nos quatro primeiros andares do prédio. Na época, as profissionais do sexo denunciaram que foram agredidas pelos policiais que arrombaram apartamentos e quebraram pertences pessoais, segundo elas. 

O edifício voltou às páginas dos jornais em abril deste ano após a Justiça acatar um pedido do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania do Núcleo Niterói/Maricá a partir de uma ação civil de 2013 solicitando “a realização de vistorias por parte das autoridades para proteger a coletividade de riscos e a manutenção de fiscalização contínua para impedir o aparecimento de novas irregularidades”.

Lorena Gaia tem 28 anos é estudante e síndica recém-eleita do prédio da Caixa. Ela mora com a mãe em um dos apartamento. Lorena tem atuado há mais de dois meses em defesa da permanência dos moradores no edifício e dialogado com movimentos sociais, poder legislativo de Niterói, Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para pensar uma alternativa que não seja o despejo. A proposta, apoiada por Lorena em conjunto com as entidades, pretende fazer com que o prédio da Caixa se torne uma moradia mista entre proprietários, inquilinos e ocupantes, um caso inédito para Niterói.

De acordo com a síndica, não seria necessária a retirada dos moradores do prédio, como prevê a ação do Ministério Público do Rio, para que as obras de reparo ocorressem. “Essa ação do MP é de 2013 e na verdade teve um agravo. Ela foi indeferida pelo desembargador porque não tinha indícios suficientes para uma desocupação”, destaca.

A professora da UFF e coordenadora do NEPHU, Regina Bienenstein, também estava presente na desocupação no centro de Niterói, que foi marcada por truculência policial no início da manhã. De acordo com ela, a política habitacional do município é deficiente e prejudica, principalmente, as pessoas de baixa renda. 

“Essa é mais uma demonstração de como o poder público vem tratando os seus trabalhadores, especialmente aqueles de mais baixa renda. Sem dar alternativa de moradia e, no caso específico, deram aluguel social para uma parte dos moradores, mas não deram prazo suficiente para encontrarem alternativa de moradia”, afirma.

O vereador Renatinho (PSOL) e o mandato de Paulo Eduardo Gomes (PSOL) também acompanharam a ação. Ambos parlamentares têm apoiado os moradores do prédio que têm tentado construir um projeto popular de moradia no local. Advogados do campo popular estão atuando junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para reverter a ação.

Na página Prédio da Caixa Vive no facebook, uma publicação nesta tarde de sexta-feira denuncia que "a entrada do prédio está sendo concretada com os apartamentos cheios de pertences".

Outro Lado

A assessoria de imprensa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE-RJ) respondeu que o pronunciamento oficial do órgão é a nota disponível no site da instituição. Nela, alega que "nas seguidas diligências realizadas no local desde o pedido inicial do MPRJ, continuaram sendo verificados problemas como fiação elétrica exposta e ligações clandestinas improvisadas, ausência de equipamentos de segurança, infiltrações e insalubridade pelo acúmulo de lixo, com vários órgãos públicos ligados à área de fiscalização urbana tendo constatado as condições insalubres do local e as dificuldades de se realizar vistorias no prédio em razão de ameaças. Diante dessas condições, a Justiça decretou a interdição do prédio e a desocupação voluntária, que deveria ocorrer até o último dia 25/05. Como não houve a desocupação integral, a Justiça determinou a desocupação".

A prefeitura de Niterói informou que, por determinação judicial, está dando suporte às famílias para a desocupação e pagamento de benefício assistencial no valor de R$ 782,69, por um período de 12 meses, aos moradores que se enquadrarem nos critérios da lei. Apenas nesta sexta-feira (7), após a ação de desocupação, 100 famílias procuraram a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos para se cadastrar, outras 160 famílias já haviam tentado o acesso ao benefício, mas apenas 102 conseguiram obter a assistência. Ainda segundo a nota, a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (Seconser) disponibilizou caminhões para levar os pertences dos moradores para locais como Vilar dos Teles, em São João de Meriti, e também para Saquarema, na região dos Lagos.
 

Edição: Vivian Virissimo