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Artigo | Eu: mera professora na era Bolsonaro

"Um aluno terraplanista começou a questionar tudo. Mas não de uma forma saudável para o debate. Veio de forma agressiva"

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
"Nada contra ter ideias diferentes em sala de aula. Isso é absolutamente saudável. O que estou estranhando é a falta de vontade de ouvir"
"Nada contra ter ideias diferentes em sala de aula. Isso é absolutamente saudável. O que estou estranhando é a falta de vontade de ouvir" - Foto: Reprodução

Esta foi a minha primeira semana de aula depois que tivemos Bolsonaro eleito. Que o mundo está mudando – e, a meu ver, para pior – estamos todos percebendo. O que para mim se mostrou como novidade foi o que eu vi em sala de aula nesse início do ano letivo.

Sou professora de física, matéria considerada – pelo senso comum – uma ciência exata. Não acredito em verdades incontestáveis com um livro de física aberto. Pelo contrário. Pelas dúvidas, crescemos todos. Nas certezas, congelamos nosso raciocínio. Expliquei a turma que iríamos trabalhar de um jeito inusitado com a cinemática. No lugar de exercícios, debateríamos alguns questionamentos de Galileu. Em que contexto ele realizou essa façanha?

Um aluno terraplanista começou a questionar tudo. Mas não de uma forma saudável para o debate. Veio de forma agressiva dizendo que tudo não passa de opinião e que eu deveria respeitar a dele. Atrás deste jovem, surgiu mais uma galera.

Outro aluno, no meio da aula, puxou um papel cheio de contas feitas de forma confusa. E “me provou” que a teoria do Big Bang e da Evolução não fazem o menor sentido. Foi aplaudido por vários.

Veja bem. Nada contra ter ideias diferentes em sala de aula. Isso é absolutamente saudável. O que estou estranhando é a falta de vontade de ouvir e a dificuldade de entender que, no diálogo, crescemos todos. O riso no canto dos lábios de deboche enquanto falo segurando o livro de Galileu se fez presente em meninos e meninas de 14, 15 anos.

Outra coisa a observar é que eles estão muito bem informados. É fato. O que não percebem é que informação não é conhecimento. Não adianta comer se não conseguir digerir e reter vitaminas. Saber pensar sobre o que ouve e lê é algo bem diferente.

Não estou desanimada. Se eu der as costas para esse muro que se agiganta, morro como educadora. Da minha parte, serei o que sempre fui: uma mera professora dessas que vemos em qualquer escola pública que, a despeito de tanta pedra que sempre recebeu dos governantes e, agora, da sociedade, acorda todo dia com aquela esperança de melhorar o mundo pela educação.

Esse sonho, nem Bolsonaro vai tirar de mim.

Elika Takimoto é vencedora do Prêmio Saraiva Literatura e doutora em filosofia pela UERJ. Leia íntegra desse artigo no link.

Edição: Elis Almeida