Podcast

Repórter SUS | Nota técnica do MS indica inversão de modelo na saúde mental

"Até o ano de 2002, 75% do orçamento da saúde mental era com gasto hospitalar [psiquiátrico]", conta psiquiatra

Ouça o áudio:

Fachada do Hospital Vale das Hortências, em Sorocaba (SP), de onde foram transferidos, em 2016, pacientes internados há mais de 30 anos.
Fachada do Hospital Vale das Hortências, em Sorocaba (SP), de onde foram transferidos, em 2016, pacientes internados há mais de 30 anos. - Foto: Cecília Figueiredo
"Até o ano de 2002, 75% do orçamento da saúde mental era com gasto hospitalar [psiquiátrico]", conta psiquiatra

Antes da reforma psiquiátrica no Brasil, os hospitais psiquiátricos ou manicômios consumiam quase todo o orçamento da saúde mental. De acordo com o psiquiatra e professor Rossano Cabral Lima, em 2002 ainda 75% do orçamento da saúde mental era direcionado com o gasto hospitalar. "De lá pra cá o que foi feito foi uma inversão de prioridades, no qual a maior parte do orçamento passou gradualmente a ser investido em serviços substitutivos", diz o especialista.

No Repórter SUS dessa semana, programa produzido em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), Cabral Lima, que é vice-diretor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), critica as mudanças que estão sendo propostas pelo governo Federal, conforme Nota Técnica da Política Nacional de Saúde Mental e Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, divulgada semana passada pelo Ministério da Saúde.

“A nota técnica induz o leitor, principalmente aquele que não é familiarizado com o campo da saúde mental, de que os últimos 20 anos foram uma sucessão de erros, equívocos", ressalta o médico.

Outro ponto da nota técnica, que ele alerta, é sobre a alteração no investimento de serviços substitutivos. "A ideia de serviço substitutivo não surgiu do nada. Ao investir em serviços substitutivos ela [Política Nacional de Saúde Mental] estava apontando para uma mudança de modelo. Surgem os Caps, centros de atenção psicossocial, os serviços de residência terapêutica [SRT] pra moradia, principalmente para pacientes egressos de longa internação, o Programa De Volta Pra Casa que dava uma bolsa [auxílio] para essas pessoas, pontos de cultura, cooperativas de trabalho, ou seja, é exatamente por isso que se fala em um serviço substitutivo, porque quando a gente diz isso, a gente está querendo dizer que não quer o retorno daquele panorama anterior", detalha.

Para ele também preocupa o redirecionamento da política de atenção às pessoas com problemas de uso abusivo de álcool e outras drogas. "Ao redirecionar o tratamento a instituições fechadas, comunidades terapêuticas, deixam de lado toda a ênfase na política de redução de danos e enfatizam basicamente a abstinência. A gente sabe que o problema de pessoas com álcool e outras drogas, crack, é um campo complexo, muitas vezes você precisa mesclar intervenções diferentes", defende.

Em sua avaliação, a nota significa um retrocesso para a luta antimanicomial, que aponta o modelo de atenção centrado na internação em hospitais psiquiátricos.

Ouça o áudio:

Edição: Cecília Figueiredo