Rio de Janeiro

JULGAMENTO

Em novo júri, policiais envolvidos na Chacina do Borel (RJ) são absolvidos

Os jurados aceitaram a tese apresentada pela defesa de que houve legítima defesa na ação dos policiais

Brasil de Fato | Rio de Janeiro(RJ) |
Familiares e parentes de outras vítimas de violência do Estado protestam em frente ao TJRJ
Familiares e parentes de outras vítimas de violência do Estado protestam em frente ao TJRJ - Bruna Freire | Ponte Jornalismo

“A minha luta vai para além deste processo, eu quero estar com o povo, estar com as mães, lutando para que daqui a alguns anos tenhamos justiça”. A fala é de Maria Dalva Correa, mãe de Thiago Silva, que foi assassinado por policiais militares na chacina do Borel há 15 anos enquanto aguardava para cortar o cabelo na barbearia da comunidade localizada na zona norte do Rio de Janeiro. 

Na última sexta-feira (23) terminou o júri popular realizado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que julgou três dos cinco policiais militares envolvidos na chacina dos quatro jovens no Morro do Borel em 2003. O soldado Paulo Marco Rodrigues Emilio, o cabo Marcos Duarte Ramalho e o sargento Washington Luiz de Oliveira Avelino foram absolvidos do crime de homicídio doloso – quando há intenção de matar -, por quatro votos a três.

Os jurados aceitaram a tese apresentada pela defesa de que houve legítima defesa na ação dos policiais. O crime foi reduzido para homicídio culposo – quando não há intenção de matar – a perda do caráter hediondo retirou o caso da Justiça Civil e o levou para a Justiça Militar, que pode decidir pelo arquivamento do processo. 

16 de abril de 2003

Os quatro jovens que foram assassinados pelos policiais do 6º Batalhão de Polícia Militar (BPM) foram vítimas de uma emboscada segundo relatos dos moradores do Borel, que apelidaram a ação como "Operação vingança". No início da noite do dia 16 de abril, os policiais iniciaram um tiroteio que culminou na morte de Carlos Alberto, pintor e pedreiro de 21 anos; Thiago Silva, mecânico de 19 anos; Carlos Magno, estudante de 18 anos e Everson Silote, taxista de 23 anos. Os corpos tinham sinais de execução e os policiais reportaram o caso como auto de resistência, ou seja, alegaram legítima defesa e resistência a prisão das vítimas.

Ao Brasil de Fato, Maria Dalva, mãe de Thiago e integrante da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, contou que a sua vida tornou-se lutar em defesa da memória do seu filho que não pode se identificar durante a abordagem policial e teve o sonho de ser engenheiro mecânico interrompido pela violência do Estado.

“Meu filho pedia para não matá-lo, porque ele era trabalhador, que tinha uma filha e mesmo assim ele [PM] falou: 'Você vai morrer, porque você é bandido'”, detalhou Dalva, que hoje está com 64 anos e se tornou uma das maiores vozes de denúncia da violência do Estado nas favelas.

Memória e Justiça

Dois dos três policiais, julgados pela chacina no Borel na última sexta-feira (23), permanecem atuando na Polícia Militar. Para a pesquisadora do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Lucía Eilbaum, que acompanha familiares vítimas de violência policial, deveria haver uma reformulação institucional que impedisse a permanência de policiais investigados na corporação.

“A Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública deveriam ter uma política de afastamento de agentes que estão sendo investigados e julgados nesses casos. Muitas vezes, ocorre o contrário, eles chegam a ser promovidos”, destacou a professora.

Já Natasha Neri, pesquisadora e diretora do documentário "Auto de Resistência" (2018), considera que apesar do resultado insatisfatório para os familiares que aguardavam justiça, o depoimento no júri de Maria Dalva foi impactante e resgatou a memória dos jovens assassinados no Borel, o que representou um marco no tribunal. 

“Pela primeira vez em 15 anos ninguém insultou a memória do filho dela e nem das três vítimas, ninguém ousou incriminá-los e nem duvidaram da palavra de Dona Dalva. Foi uma grande conquista para ela poder estar naquele espaço, que criminaliza os territórios de favela e os mortos, e pela primeira vez, no sétimo juri popular que ela passou, a memória deles foi respeitada e a luta dos familiares é por verdade, memória e justiça. Não houve justiça, mas houve a vitória pela memória”, ressaltou.

Edição: Mariana Pitasse