Rio de Janeiro

RESISTÊNCIA

“Qualquer voz subalternizada que se levante é voz utópica”, diz Conceição Evaristo

Ao lado do Pastor Ariovaldo Ramos, escritora protagonizou a mesa de encerramento do 2° Festival Internacional da Utopia

Brasil de Fato | Maricá (RJ) |
Vereador Eduardo Suplicy (PT)  se somou aos debatedores da mesa de encerramento do 2° Festival Internacional da Utopia
Vereador Eduardo Suplicy (PT) se somou aos debatedores da mesa de encerramento do 2° Festival Internacional da Utopia - Júlia Dolce

Existem várias formas de pensar uma utopia, algumas muito distantes da nossa realidade, outras nem tanto. “Uma forma de utopia é ter uma mesa de um festival internacional composta por dois negros”, interpretou o Pastor Ariovaldo Ramos dando início ao debate “Utopia”, que encerrou o Festival de mesmo nome, realizado na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, entre a quinta-feira (19) e este domingo (22). Além de Ariovaldo, o debate trouxe a presença da renomada escritora Conceição Evaristo e, simbolizou, para uma plateia composta, na sua maioria, por jovens negros, uma esperança na atual conjuntura política.

Os debatedores discutiram sobre o conceito ideal de sociedade no debate que também contou com a presença do vereador da cidade de São Paulo Eduardo Suplicy (PT), o prefeito de Maricá, Fabiano Horta (PT), e o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Joaquín Piñero.

Em sua percepção diante da afirmação do pastor Ariovaldo, Conceição Evaristo destacou que a composição da mesa representava uma exceção que, por si só, simbolizava a busca por uma utopia.

“É perigoso esse discurso de que nós, exceções, escritores, juízes, advogados negros, estamos aqui porque o racismo está arrefecendo. Como se fosse uma questão de estudar para chegar aqui. As exceções servem para pensar as regras, e quantos de nós que estudaram, não ficaram pelo caminho? Todos os lugares da nação brasileira pertence a nós, negros”, pontuou a escritora, vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura e candidata à ocupar a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), podendo se tornar a primeira mulher negra na instituição.

“Assim, qualquer voz subalternizada que se levante é um exemplo de voz utópica. O que deve nos mover é a crença de que buscamos uma sociedade justa”, completou a escritora. Em sua fala, Joaquín Piñero destacou que a mesa pretende enviar uma carta à ABL, reforçando a laureação de Evaristo.

Golpe

Diante da sensação de distopia que o país vive, com o golpe que retirou a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e os desmontes de diversos direitos pelo atual governo, Evaristo destacou a potência do período de reorganização da resistência, utilizando como metáfora os movimentos da capoeira.

“Nesse momento, quando percebemos a perda de direitos trabalhistas, todo o discurso do Escola sem Partido, a própria prisão de Lula, quando vemos o impeachment de Dilma, dá a sensação de que não tem jeito. É preciso ficarmos muito atentos para não ficarmos em um tempo de distopia. Mas podemos pensar também que muitas vezes o silêncio é fala, é retaguarda, são momentos de potencialização para quando a voz explodir, explodir com mais violência. Gosto muito de pensar na capoeira, o momento em que o corpo recua não é quando ele está saindo da luta, mas sim se potencializa. Quando retorna para o jogo, retorna com mais potência ainda. Então o silêncio pode ser um momento para nos organizarmos e outra vez retomarmos nossa utopia”, disse.

Nesse sentido, o pastor Ariovaldo, que é integrante da Frente de Evangélicos pelo Estado de direito, lembrou a importância da militância e da luta, principalmente nas ruas, contra o que considera “o golpe de Estado mais hediondo praticado contra um povo nos tempos modernos”.

“Eu gostaria de uma utopia que precisasse apenas de um projeto a longo prazo, como gostaria! Mas isso não é mais possível. Há utopias, como a cristã, que esperam uma ação divina. Mas a minha utopia exige de mim militância, exige que eu tome partido. Foram mais de 300 anos de uma nação sem o mínimo de referência aos nossos ancestrais, que construíram esse país com sua vida. Então minha utopia também é uma sociedade em que haja igualdade absoluta”, afirmou, convocando a militância evangélica para realizar trabalho de base, entregando folhetos contra a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e pela reconstrução da nação brasileira.

A mesa foi encerrada com um agradecimento do prefeito Fabiano Horta, que pontuou a importância do Festival Inertnacional da Utopia para a cidade de Maricá e seus visitantes. “Esse festival despertou muita gente para o que deveria ser uma sociedade, esse é um dos legados dele, porque nossa utopia é sempre a luta, onde construímos nossa humanidade”, afirmou. Os convidados receberam cestas de produtos da reforma agrária do MST, e foram aclamados por representantes do movimento negro de Maricá.

Ao longo dos últimos quatro dias, o Festival da Utopia reuniu milhares de pessoas em debates sobre as perspectivas de saídas democráticas para o país. Além disso, também contou com diversas atrações nos espaços como a Feira da Reforma Agrária e Economia Solidária, a Culinária da Terra e a Tenda Literária Paulo Freire. O Festival também apresentou uma série de atividades culturais, peças e shows de artistas como Martinho da Vila, Maria Rita e Marcelo Jeneci. Neste domingo (22), o Festival será formalmente encerrado como um show dos rappers Emicida, na Praça Central, e Bnegão, no Acampamento da Juventude, em São José do Imbassaí.

Edição: Mariana Pitasse