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ELEIÇÕES

"Não é possível seguir pensando a favela como 'território inimigo''', afirma Motta

Tarcísio Motta, do PSOL, é o segundo pré-candidato ao governo do Rio entrevistado pelo Brasil de Fato

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Tarcísio Motta cumpre o mandato de vereador na Câmara Municipal do Rio com forte atuação na CPI dos Ônibus.
Tarcísio Motta cumpre o mandato de vereador na Câmara Municipal do Rio com forte atuação na CPI dos Ônibus. - Jaqueline Deister/Brasil de Fato

O segundo pré-candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro entrevistado para a série do Brasil de Fato sobre as eleições foi Tarcísio Motta, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Nascido na Região Serrana, no município de Petrópolis, Motta atualmente cumpre o mandato de vereador na Câmara Municipal do Rio com destaque nas frentes de Educação e Cultura e na CPI dos Ônibus, pela qual denunciou irregularidades entre empresários e o poder público. O pré-candidato tem 43 anos e tenta pela segunda vez a vaga ao Executivo do estado do Rio.

Brasil de Fato: Um relatório do Observatório da Intervenção, um grupo composto por especialistas independentes, que acompanha a ação dos militares aqui no Rio, aponta que nesses quatro meses de intervenção na Segurança Pública do estado houve um aumento de 36% no número de tiroteios. Além disso, o assassinato da vereadora Marielle (PSOL) completou três meses sem elucidação. Diante deste cenário, quais as suas propostas para a área de Segurança Pública do Rio?

Tarcísio Motta: Primeiro lugar, a gente não pode compactuar com essa intervenção. Ela é mais do mesmo. É uma política do estado que está absolutamente equivocada, que foi pensada pelo marqueteiro do Michel Temer (MDB) e que atinge principalmente os territórios das favelas com uma ocupação que essas localidades, inclusive, já estavam acostumadas pelas Garantias de Lei e Ordem (GLO) que foram feitas no passado para garantir os megaeventos como a Copa e as Olimpíadas. Nesse ponto de vista, o primeiro passo é que não haverá a manutenção da intervenção e a política de segurança precisa mudar completamente as suas prioridades estratégicas. Qual é a política de segurança que pode dar resultado? É uma política de segurança que garanta integração entre os órgãos de segurança pública. Nossa política vai focar na redução da letalidade violenta, dos homicídios, dos estupros e não nesta insana guerra às drogas que na verdade é uma guerra aos pobres. Não é possível seguir pensando a favela como território inimigo. Não haverá helicóptero atirando do alto, caveirão entrando atirando, portanto, a nossa política de segurança vai mudar as prioridades estratégicas. Por outro lado, é preciso fazer a reforma das polícias. O debate sobre a desmilitarização é nacional, nós sabemos disso, mas há coisas que podem ser feitas pelo governo estadual. Como por exemplo, a reforma do estatuto das polícias para garantir mais democracia e direitos para os próprios servidores da segurança pública; uma valorização dos servidores para que eles possam estar menos suscetíveis aos esquemas de arrego e corrupção; a perspectiva da construção do órgãos de controle social, ouvidorias e corregedorias independentes externas. Todos esses elementos são importantes de reforma das próprias polícias.

O estado do Rio está mergulhado numa crise econômica e fiscal que tem gerado um alto índice de desemprego e também constantes atrasos nos pagamentos dos servidores. Qual a saída para as contas públicas serem reequilibradas?

O estado do Rio tem jeito, mas não é o jeito daqueles que sempre governaram o estado. É preciso mudar o foco. Temos três eixos principais nesse processo da política econômica e da recuperação das receitas do estado. De um lado, nós precisamos auditar todos os contratos, incluindo os contratos da dívida pública do estado do Rio. Grande parte da dívida pública do Rio é com o governo federal, que também deve muito dinheiro ao governo estadual. A questão da compensação das despesas, da Lei Kandir*, que é dinheiro que o governo federal deve ao estado do Rio precisa vir em primeiro lugar. Nós precisamos rever o regime de recuperação fiscal. Nós não aceitamos essa ''agiotagem'' que o governo Michel Temer fez sobre o estado do Rio de Janeiro. Teremos legitimidade nas urnas para dizer que não vamos vender a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) e não vamos aceitar esse regime de recuperação fiscal. A negociação da dívida do estado do Rio precisa ser feita em outra bases. Precisamos também rever a política de isenções fiscais. A crise do estado do Rio é de receita e não de despesa. A máfia que controla o estado do Rio há tanto tempo quer que a população acredite que o problema são os servidores públicos e a máquina pública. Quando comparado ao Produto Interno Bruto (PIB), o estado do Rio de Janeiro tem o menor peso com despesa de servidores no Brasil. Então, basta comparar despesa da máquina pública por PIB, que percebemos que o estado do Rio é aquele que tem a menor despesa. Portanto, o problema não está nos servidores, o problema é que a máfia sempre quer que os servidores paguem a conta e por isso atrasam os salários e em especial os salários dos aposentados. Isso não vai acontecer num futuro governo nosso. O Rio de Janeiro teve má política de desenvolvimento econômico muito concentrada na cadeia do petróleo e gás que é muito vulnerável à oscilações externas e é irresponsável do ponto de vista socioambiental. Precisamos rever isso para diversificar a economia do estado do Rio de Janeiro e apostar em cadeias produtivas que possam gerar trabalho digno e distribuição de renda.

Tarcísio, você é professor. E não tem como não mencionar a atual situação de abandono das escolas da rede pública estadual. De acordo com dados do Censo Escolar, entre 2010 e 2017 foram  fechadas 231 escolas públicas. Como recuperar a qualidade da  educação no estado do Rio diante de um cenário de crise fiscal?

Nós vamos reabrir todas as escolas, em especial aquelas do horário noturno que foram fechadas, deixando exatamente a juventude mais vulnerável e aqueles que trabalham sem condição de ter vagas nas escolas estaduais. Então, a reabertura das escolas é o primeiro passo. Não é possível que a gente esteja vivendo um momento de fechamento de escolas. Nós precisamos fazer um pacto com os servidores da educação, porque nós vamos valorizá-los. É preciso respeitar o plano de carreira deles, valorizar o salário instituindo a data-base. É direito de todo o trabalhador ter o reajuste anual. Todo o trabalhador da iniciativa privada tem o seu reajuste anual e é preciso que os servidores também o tenham para impedir que a desvalorização salarial faça com que os professores abandonem as salas de aula. Apostar na gestão democrática e na autonomia pedagógica. Daquela autonomia que garante que as escolas tenham relação com a comunidade onde estão inseridas e o servidor valorizado possa apostar inclusive naquela juventude. Em época de campanha todo o político diz que prioriza a educação, mas na hora que a gente olha para o orçamento que percebemos o que acontece. Em 2006, o orçamento da educação e saúde somados eram o dobro da segurança pública. Hoje em dia, eles somados não alcançam o orçamento da segurança pública. E estamos mais seguros? Não. Continuamos numa situação onde a segurança é o maior problema. Não só não se resolveu o problema da segurança, porque se investe errado, como, na verdade, piorou a situação da saúde e educação que são causas da própria violência. Então, você retira dinheiro da saúde e educação para aplicar numa política de segurança pública errada e nós não temos nem segurança pública, nem educação e nem saúde.

A saúde é uma das áreas em que a população tem enfrentado sérias dificuldades. Em 2016, o governo do estado teria gasto apenas 10,42% do orçamento, um investimento abaixo dos 12% fixados pela Constituição. Sendo eleito, como pretende resolver o problema do sucateamento da saúde pública?

Existem dados, inclusive, do Ministério Público que diz que foi 6%, ainda pode ser pior do que o apresentado. Precisamos iniciar um movimento de transição para tirar a saúde das mãos das OSs (Organizações Sociais) e retomar o controle público sobre a política de saúde pública. O governo Sérgio Cabral vendeu a ideia de que as Organizações Sociais, as OSs, seriam uma forma de agilizar e modernizar o atendimento à saúde porque o serviço público era muito demorado. O que aconteceu foi que a saúde pública no Rio de Janeiro gastou muito dinheiro para não atender a população e isso gerou uma crise enorme. Muito dinheiro público foi para as OSs que desviaram esses recursos, gastaram muito na compra de remédios que estragavam nos depósitos. A política das OSs precisa ser revertida. O papel do Estado é o de atender aquilo que nós chamamos de média e alta complexidade. São os hospitais. É aquela situação em que a pessoa que foi atendida na estratégia de saúde da família e verificou-se que tinha um problema de saúde muito grave, seja atendida nos hospitais estaduais. O estado do Rio apostou na dinâmica das UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) que não são nem o atendimento primário básico, nem o de alta e média complexidade. Com isso, se gastou dinheiro no sentido e na direção errada. Fazendo com que a população tivesse apenas uma ilusão de que estava sendo tratada. Precisamos corrigir este erro, por isso eu falo em modelo de transição. Não significa fechar as UPAs, mas, paulatinamente, dar condições para que os hospitais e as policlínicas atendam as pessoas que precisam de um atendimento porque estão em situação de saúde ruim, mas, ao mesmo tempo, dar o apoio aos municípios para que possam atuar na prevenção. Por fim, eu queria destacar que vamos investir pesadamente em saneamento básico, porque os estudos comprovam que cada real investido em saneamento significa R$ 4 economizados em saúde, porque você diminui muito a questão das doenças, da vulnerabilidade principalmente nas regiões mais pobres que precisam de maior atenção. Reestruturar o setor, garantir a retomada do controle público sobre a saúde pública, investir em saneamento e garantir que o estado cumpra o seu papel apoiando atendimento básico e ao mesmo tempo garantindo atendimento nos hospitais de média e alta complexidade são as linhas mestras do nosso programa para a saúde do Rio.

Nos últimos anos o Brasil tem vivenciado uma forte polarização na política, a extrema-direita tem crescido e se tornou motivo de preocupação nas eleições de 2018. Como você avalia o papel das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo?

As frentes são essenciais hoje para a luta dos trabalhadores no Brasil, tanto a Brasil Popular, Povo Sem Medo e Esquerda Socialista. Elas significam possibilidade de unidade nas lutas contra o golpe, as reformas de Michel Temer, pelo Fora Temer, contra a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista, contra a PEC do Teto de Gastos, portanto, há uma série de unidades contra as reformas de Michel Temer e também contra o avanço conservador. A defesa da democracia é algo que nos unifica. Daí, o papel das frentes é fundamental. Claro que no momento das eleições, vamos acabar, muitas vezes, nos apresentando em candidaturas separadas, que tem a ver com diferenças programáticas, trajetórias políticas, mas isso não impede que tenhamos pautas comuns, que nos unifiquem no conjunto da sociedade. Organizar e dialogar com os trabalhadores para discutir que a saída é pela esquerda, pelos próprios trabalhadores e não por esses falsos profetas que dizem ter a saída, que se dizem não políticos, sendo profundamente políticos é uma questão fundamental que tanto as frentes, quantos as candidaturas do campo progressista, poderão fazer unificadamente neste calendário eleitoral.

Como que você vê a possibilidade da união da esquerda em prol de uma candidatura?

Eu acho que hoje este caminho está muito distante. Os partidos de esquerda já lançaram os seus pré-candidatos, o Leonardo Giordano pelo PCdoB, o Pedro Fernandes pelo PDT, a Marcia Tiburi pelo PT, são candidaturas legítimas que estão construindo porque têm diferenças programáticas. Nós estamos unificados com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e com um conjunto de movimentos sociais que esteve no enfrentamento da máfia do Sérgio Cabral desde o início e reconhecemos nesta frente que estamos construindo, uma ação importante. Temos trajetórias e diferenças programáticas que, no primeiro turno, que é uma eleição de adesão, têm legitimidade e condições de sair separadamente. Acho que não nos enfraquece, até porque a direita também está fragmentada, na casa de onze pré-candidatos no total aqui no Rio e, portanto, neste ponto de vista, a gente vai manter a unidade nas pautas, mas, infelizmente, acho que não teremos unidade eleitoral.

A democratização da comunicação é um ponto cada vez mais importante, principalmente nesse processo do golpe. Como você avalia os veículos populares de comunicação?

Enquanto a comunicação for um monopólio de poucas famílias de conglomerados que têm interesses políticos e econômicos contrários aos da classe trabalhadora, nós teremos problemas de fazer o debate com a própria classe trabalhadora. Na verdade, há a construção de consensos que beneficiam apenas o andar de cima, os privilegiados de sempre, a turma do guardanapo na cabeça, dos empreiteiros, banqueiros, doleiros e grandes proprietários do agronegócio que na verdade se beneficiam das políticas públicas. Nesse ponto de vista, qualquer proposta progressista hoje precisa discutir a democratização da comunicação e investir pesadamente nos instrumentos da classe trabalhadora, na comunicação popular como um mecanismo de construir a contra hegemonia.

*A Lei Kandir regulamentou a aplicação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). 

Edição: Vivian Virissimo