Crise

Com aumento no preço do gás, população volta a cozinhar com lenha

Famílias relatam que acordam ainda de madrugada para buscar lenha em locais distantes de suas casas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Famílias de diversas regiões do Brasil voltaram a usar lenha para cozinhar
Famílias de diversas regiões do Brasil voltaram a usar lenha para cozinhar - Pixabay

Com a alta do preço do gás, famílias de diversas regiões do país voltaram a usar lenha para cozinhar. É o caso do Seu Marcos Marcelino, morador da comunidade do Costa (PB). "Aqui é fogo de lenha aqui fio, o gás agora é caro", afirmou. 

Além de Seu Marcos, muitas pessoas da vizinhança dele também passam pelo mesmo problema, como a Maria José Vasconcelos Silva.

"Aqui tem muita gente que cozinha na lenha, tem gente que faz tanto tempo que comprou botijão que nem se lembra mais", destaca.

Para Maria do Amparo, moradora da comunidade de Pedro Velho, em Aroeiras (PB), a tendência é que o uso da lenha cresça ainda mais. 

"Não vai demorar muito não para todo mundo estar na lenha de novo, não tem condição, o gás está R$75 reais”, conta. 

Já para Ana Maria Marcelo da Silva, moradora da Comunidade de Água Paba (PB), as contas não estão fechando nem mesmo com o dinheiro do salário como coveira.

"Eu que estou recebendo, estou cozinhando no forno de lenha, imagina quem não recebe salário", disse.

As pessoas ouvidas fazem parte do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) da Paraíba, que luta pela democratização da energia e dos combustíveis no país, como o gás de cozinha. 

Combustível mais utilizado nas casas dos brasileiros, o botijão de gás vem sofrendo aumentos consecutivos desde julho desse ano, tendo aumentado 17,22% somente em novembro.

A situação está afetando cada vez mais a renda e o cotidiano das famílias brasileiras. De acordo com uma pesquisa publicada pelo Datafolha, no dia 8 de dezembro, dois terços da população consideram que a alta do gás de cozinha compromete muito o orçamento familiar. 

A dona de casa Luzenir Pinto da Silva, moradora do município de Parnarama (MA), é mãe de três filhos e afirma que tem acordado às quatro horas da manhã todos os dias para buscar lenha, a cerca de 15 quilômetros da sua casa.
 
"A situação não é boa, porque além dessa dificuldade toda, eu, como mãe de família, tenho que trabalhar e passo o dia todo me sentindo mal, com dor de cabeça, zonza, por não dormir direito. O gás aqui para nós está R$75, não tem como usar", afirmou.

Com a proximidade da temporada de chuvas, a dona de casa demonstra preocupação em conseguir encontrar a lenha para poder cozinhar. 

"Daqui a pouco vai ficar mais difícil, vamos ter que procurar em áreas mais distantes. Como a gente mora em assentamento do INCRA tinha uma boa vegetação, mas as queimadas afetaram muito, e somos muito ameaçados pelo agronegócio, há várias plantações de soja aqui perto", afirmou.

Com uma renda mensal de pouco mais de um salário mínimo e ameaças de cortes do seu benefício do programa Bolsa Família, Luzenir relata ainda que o atual período é o mais difícil que já viveu.

“Para falar a verdade mesmo, eu estou com 17 anos de casada e o período mais difícil que estou enfrentando é agora. Porque os preços de tudo, não só do gás, estão subindo. Eu usava gás normal nesses 17 anos, só usava o carvão quando ia ter algum evento que precisava de muito espaço. Mas agora não, é uma questão de sobrevivência mesmo, porque não tem como", afirmou. 

De acordo com João Antônio Moraes, diretor Federação Única dos Petroleiros (FUP), o aumento nos custos dos derivados de petróleo é uma opção política do governo golpista de Michel Temer (PMDB) e da atual direção da Petrobras. 

Além da precarização nas condições de vida da população, a FUP destaca o risco de acidentes para as crianças e os prejuízos ambientais com o desmatamento, como consequências negativas do aumento do preço do gás e do retorno à utilização de lenha como combustível. 

Na opinião de Moraes, os combustíveis do país deveriam ser muito mais baratos devido as reservas petrolíferas do pré-sal, a modernidade e qualidade das refinarias e seus técnicos, e os baixos custos de produção. 

"No entanto, nesse exato momento em que essa conjuminância de fatores existe pela primeira vez na história, e que poucos países do mundo reúnem essas condições, a opção política desse governo tem sido obrigar o brasileiro a reduzir seu consumo energético, o que significa abrir mão do básico uma vez que a gente tem uma população carente que já tem um consumo energético muito baixo comparado com outras nações", disse.

O preço do botijão de 13 quilos ficou praticamente congelado durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Desde que Temer assumiu o governo, em maio de 2016, o preço do botijão já aumentou 49%. Em junho deste ano, a Petrobras anunciou uma nova política de preços para a venda do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), indexando seu preço à cotação do combustível no mercado europeu. No entanto, Moraes destaca que as distribuidoras exportam o GLP a preços menores do que os pagos pela população brasileira. 

"Nós reduzimos o consumo, aumentamos a importação e estamos exportando uma quantidade enorme de petróleo. O que temos hoje é o comando da economia na mão de uma tropa de ocupação estrangeira, que se movimenta segundo o interesse de transnacionais e de outras nações. Hoje está instalada na direção da Petrobras um grupo a serviço de suas concorrentes, da Shell, da Texaco", afirmou. 

Procurada pelo Brasil de Fato, a Petrobras destacou, em nota, que se reuniu para avaliar os resultados da nova metodologia de preços, e chegou a conclusão de que o modelo precisa ser revisto, uma vez que a alta volatilidade nos preços do mercado europeu vem afetando o Brasil. 

Edição: Camila Salmazio