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CULTURA POPULAR

Entrevista | O empoderamento da mulher também vem pelo samba

Fabiola Machado, do grupo Moça Prosa, fala da importância do resgate de composições femininas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Integrantes do grupo Moça Prosa
Integrantes do grupo Moça Prosa - Foto: Cris Vicente

Resistência e ousadia são duas palavras que definem o trabalho musical do Moça Prosa. O grupo formado por nove mulheres realiza rodas de samba pelo Rio de Janeiro há cinco anos. 

Durante as apresentações, as sambistas resgatam músicas compostas e interpretadas por grandes nomes femininos, como Dona Ivone Lara, Clara Nunes e Leci Brandão e também celebram nomes mais atuais como o de Tereza Cristina e Mariene de Castro. 

A Radioagência Brasil de Fato conversou com a integrante do grupo, Fabíola Machado, para conhecer um pouco mais da história desta roda de samba que se tornou uma das principais do Rio de Janeiro. 

Confira a entrevista:

Brasil de Fato - Fabíola, como que começa essa trajetória do Moça Prosa?  

Fabíola Machado - Começou como uma oficina de percussão de mulheres frequentadoras da Pedra do Sal, das rodas que ocorrem às segundas e sextas-feiras. Através do Vagner Silveira que é professor de percussão, montou-se esse grupo de mulheres. Éramos um grupo de 12 mulheres. Ele começou a dar aulas e nós sentimos a necessidade de fazermos uma roda de samba. Em abril de 2012, a gente começa a fazer a nossa primeira roda na Pedra do Sal. De lá para cá, não paramos mais.  

Temos uma roda nossa que se estabelece no Largo de São Francisco da Prainha, que fica ao lado da Pedra do Sal. Precisamos de um espaço maior para contemplar a nossa roda de samba com as feiras de gastronomia, moda, artesanato e literatura negra. Não é fácil fazer samba no Rio de Janeiro sendo mulher. Hoje melhorou bastante, a gente fica feliz em ver vários outros grupos de mulheres tocando, mas quando começamos, a grande maioria era só cantora e não musicistas, estamos na luta e resistência. 

Você pode falar sobre as dificuldades de ser mulher e segurar uma roda de samba? Quais são os obstáculos que vocês encontraram no caminho? 

A gente teve que superar a falta de credibilidade em segurar uma roda de samba, muitos acham que a mulher não é capaz de tocar um instrumento e segurar quatro horas de samba.  O nosso público mudou muito ao longo dos anos, antes eram só amigos, depois passou para homens que queriam ver o que a gente estava fazendo, se estávamos fazendo certo. Hoje o nosso público é de mulheres, em 80%, há uma grande maioria de homossexuais e o restante acaba se misturando.

A dificuldade ainda é presente, a gente percebe que o homem sempre está querendo ensinar. Ele vai à roda para olhar e determinar o que você tem que fazer, mas já aprendemos a lidar com isso e, hoje, achamos até engraçado porque já se passou tanto tempo e permanecemos na estrada. A gente está superando e mostrando que é possível. A gente fica imaginando as mulheres que estavam nessa batalha bem antes de começarmos, com muito mais dificuldade do que a gente, porque hoje nós já temos  toda a possibilidade de termos espaços como este para falar. Na verdade, na roda de samba, muita das vezes, a mulher estava ali cantando como um enfeite, e cantando duas ou três músicas em quatro horas de samba. Hoje, já estamos em tempos melhores de, pelo menos, poder falar. 

Como que você vê hoje este cenário cultural do samba no Rio de Janeiro?  

Estamos nos refazendo, porque eu falo que é um ano de dificuldade, mas é um ano para a gente aprender outros caminhos. A gente teve casos de decreto da Prefeitura (43.219 – que reprime manifestações ligadas à religião de matriz africana no município), casos onde a polícia interrompeu atividades, como a roda de samba Pede Teresa, na Praça Tiradentes, um local que antes de ter a roda eram frequentes assaltos. Não é fácil conseguir uma autorização para fazer samba, passamos por questões de intolerância religiosa.  

Essa roda de samba, como é o modelo do Moça Prosa, do samba da raça, como também é o modelo do Pede Teresa,  gera emprego para mais de 30 pessoas, entre expositores, parte elétrica, som, produção e etc. São mais de 30 pessoas que, hoje, muita das  vezes, dependem disso, pois o emprego não está fácil. São trabalhadores que encontraram outro caminho para poder vender seus produtos artesanais, a sua comida. Eu acho que este modelo tem contribuído também para o esvaziamento das casas de samba, porque o público está dando preferência para a ocupação da rua, da cultura na rua, do samba na rua. 

Atualmente o Moça Prosa conta com quantas integrantes? 

Hoje nós somos nove. 

E todas tocam algum instrumento e cantam? 

Nós temos a Karina Isbelle no pandeiro e cuíca; Luana Rodrigues no atabaque e tan-tan; Tainá Brito no surdo; Dani Andrade e Ana Priscila fazendo tamborim e os efeitos; eu cantando e tocando reco-reco; Jack Rocha cantando e fazendo efeitos; Samara Libano no violão e a Vanessa Reis no cavaco.  

Várias vezes pensamos em desistir, porque a luta é muito grande, não só do machismo, mas também das oportunidades, dos olhares, da falta de confiança, muitas vezes, da mulher de não acreditar no trabalho, mas a gente entende que é um legado patriarcal, vamos sempre devagar, caminhando e agradecemos muito a oportunidade de fala sobre o nosso trabalho. 

As rodas de samba do Moça Prosa ocorrem todo o primeiro domingo do mês na Casa Verde de Paquetá; no segundo sábado, o grupo está no Bar Imaculada, no Morro da Conceição e, no terceiro, no Largo de São Francisco da Prainha, no bairro da Saúde. Para mais informações sobre os eventos, acesse o Facebook Moça Prosa.  

 

 

 

Edição: Raquel Júnia