Rio de Janeiro

SAÚDE PÚBLICA

Gestão de hospitais públicos por empresas aprofunda crise na saúde no Rio de Janeiro

O Brasil de Fato dá panorama da situação dos hospitais controlados por Organizações Sociais (OSs) no estado e na capital

Rio de Janeiro (RJ) |
Trabalhadores denunciam situação de precariedade no Hospital Estadual Getúlio Vargas
Trabalhadores denunciam situação de precariedade no Hospital Estadual Getúlio Vargas - Fernando Frazão / Agência Brasil

Desde que Organizações Sociais (OSs) passaram a administrar a saúde pública no Rio de Janeiro, o sindicato da categoria denuncia a má gestão dos recursos públicos. Esse cenário ficou ainda mais complicado após o governador em exercício, Francisco Dornelles (PP), decretar “estado de calamidade” em junho. Segundo os trabalhadores, os atrasos nos salários são frequentes e falta todo tipo de materiais hospitalares.

A conjuntura enfrentada pelo setor pode ser ilustrada pelo caso do Hospital Estadual Getúlio Vargas, o maior hospital da zona norte do Rio, especializado em ortopedia. Os trabalhadores ficaram dois meses sem receber e na primeira semana de outubro todas as cirurgias foram canceladas. Estão mantidos apenas os atendimentos de emergência.

A técnica de enfermagem Cíntia Ferreira, que trabalha no centro cirúrgico, detalhou ao Brasil de Fato as dificuldades enfrentadas no dia a dia no Hospital Getúlio Vargas. “As cirurgias estão sendo canceladas por falta de materiais, medicamentos e até anestesia. A gente está lidando com vidas e a empresa que administra o hospital, a OS Pró Saúde, não assume a suas responsabilidades”, critica a funcionária.

ATRASOS

Com sucessivos atrasos nos salários desde dezembro do ano passado, os trabalhadores estão se organizando para realizar uma paralisação em protesto. Além disso, segundo Cíntia, a empresa desconta, todos os meses, “indevidamente supostas horas não trabalhadas”. Como se o funcionário tivesse faltado ou chegado atrasado. “Mês passado descontaram 60 horas do meu salário, questionei os descontos, mas daí eles só pagam no mês seguinte. Fizeram isso com todos os funcionários da enfermagem. Fazem isso para não pagar o salário integral e assim vão rolando os pagamentos”, denuncia.

Os atrasos nos salários começaram em dezembro do ano passado, de acordo com a trabalhadora. “De lá para cá também aumentou a perseguição a funcionários, quando a gente tenta organizar paralisações começam a nos coagir”, afirma Cíntia. Ela conta que no mês passado o equipamento que esteriliza ferramentas cirúrgicas quebrou e um técnico de enfermagem foi enviado a outro hospital para fazer a esterilização, em um carro do Uber.  “Isso é ilegal. Primeiro que um funcionário não pode sair pela cidade com ferramentas cirúrgicas e ainda por cima contaminadas. Segundo, que isso tem que ter um transporte especializado, seguro para esse tipo de material, que oferece riscos à população e que também pode ser danificado”, aponta.

DESCASO

A situação de calamidade também afetou outras três unidades do Rio de Janeiro. Os hospitais estaduais Azevedo Lima e Ary Parreiras, em Niterói, e o Eduardo Rabelo, em Campo Grande, na zona oeste, estão em greve (parcial) desde o dia 8 de setembro. “Há vidas em risco por falta de atendimento, de medicamentos e, muitas vezes, por falta de preparo dos profissionais. Como as OSs não pagam em dia, há uma alta rotatividade de médicos e enfermeiros”, explica Clara Fonseca, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência (Sindisprev-RJ).

A sindicalista diz ainda que há um clima de insatisfação generalizado dos funcionários das OS. “Essas situações de descaso com a saúde e perseguição a funcionários se repetem em todos os hospitais administrados por organizações sociais”, critica. Os atrasos nos salários viraram um modelo de negócio, segundo Clara. “As empresas voltaram ao tempo da escravidão. Funcionários estão trabalhando sem receber. Elas contratam, as pessoas trabalham um ou dois meses, não recebem e vão embora. E novas pessoas são contratadas, e assim se forma um ciclo vicioso”, aponta.

Já em São Gonçalo, no Hospital Estadual Alberto Torres o relato é de falta de materiais e medicamentos para o setor de emergência. “A emergência está zerada, não tem materiais. Estão fazendo curativo com fraldas”, afirma Clara Fonseca.

A Secretaria Estadual de Saúde ignorou as perguntas feitas pelo Brasil de Fato sobre as denúncias de má gestão da Organização Social Pró Saúde, que administra o Hospital Estadual Getúlio Vargas. A secretaria informou apenas que fez o repasse dos recursos em outubro e a direção da OS informou que os salários estão quitados e as unidades em funcionamento.

A assessoria do secretário Luiz Antônio Teixeira Jr. afirma que desde janeiro foram realizados cortes nas despesas da pasta que já totalizam cerca de R$ 1,4 bilhão anual. "Desde o início do ano, a Secretaria vem trabalhando com cerca de 40% do orçamento estadual previsto para a pasta, conforme a disponibilização de recursos liberados pela Secretaria de Fazenda", explica a nota.

Quanto ao Hospital Estadual Eduardo Rabelo, ao Azevedo Lima e ao Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras, as Organizações Sociais negaram que haja desassistência aos pacientes internados e nem aos ambulatoriais.

Hospitais também passam por crise na capital

No município do Rio de Janeiro, a situação não é melhor. Na zona oeste, o Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, também diminuiu a número de leitos, segundo a presidente do Sindisprev-RJ.

Em Campo Grande, desde que a administração do Hospital Rocha Faria foi assumida pela Organização Social de Saúde Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (OSS HMTJ), em janeiro desse ano, o hospital vem perdendo sua capacidade de atendimento. A sindicalista afirma que depois de passar por reforma de cerca de R$ 17,4 milhões, o Rocha Faria foi reinaugurado com em julho desse ano, com 100 leitos a menos.

“Também acabaram com iniciativas importantes, como o programa de laqueadura e vasectomia, assim como o de prevenção da Aids”, aponta a presidente Clara Fonseca, Sindisprev-RJ. Ela também foi funcionária do Rocha Faria e afirma que a superlotação do hospital é outro problema antigo. “Já chegaram a acomodar 70 pacientes internados em salas de leitos com capacidade para 16 pessoas. Homens misturados com mulheres”, relata.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde reconheceu que Hospital Rocha Faria foi inaugurado com 100 leitos a menos já que enfermarias foram reformadas  e a oferta de leitos foi adequada à capacidade instalada da unidade e às normas sanitárias vigentes. Segundo a assessoria de imprensa, o Rocha Faria continua oferecendo programa de laqueadura e, antes de se tornar municipal, já não contava com programa de vasectomia ou de prevenção da Aids.

A secretaria também negou que o Hospital Municipal Rocha Faria (HMRF) tenha pacientes internados em corredores. "O cenário de superlotação descrito pela sindicalista era comum no antigo Hospital Estadual Rocha Faria, de cujo quadro profissional ela fez parte", afirmou a assessoria, em nota. 

Sobre o Hospital Municipal Albert Schweitzer (HMAS), a secretaria afirmou que unidade continua ofertando os mesmos nove leitos de terapia intensiva pediátrica, exatamente como antes da municipalização.

Edição: Vivian Virissimo

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