Rio de Janeiro

AGROTÓXICOS

Para Advocacia-Geral da União, pobre tem que comer veneno

AGU rejeita fim das isenções para agrotóxicos, afirmando que somente com venenos é possível produzir comida barata

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Raciocínio simplista usado pela AGU não leva em consideração uma série de aspectos econômicos e de saúde
Raciocínio simplista usado pela AGU não leva em consideração uma série de aspectos econômicos e de saúde - Divulgação

Com um vocabulário um pouco mais rebuscado, a Advocacia-Geral da União repetiu um discurso que volta e meia insulta a inteligência da população: só é possível produzir alimento barato com muito veneno, e portanto pobre tem mesmo é que comer com agrotóxicos. Ou morrer de fome. E que alimentos livres de agrotóxicos são para “uma pequena elite” que pode pagar mais caro.

Desta vez, o alvo foi uma Ação Direta de Inconstitucionalidade do PSOL que questionava as isenções fiscais dadas aos agrotóxicos no Brasil. O alívio de impostos para venenos agrícolas é um elemento fundamental para explicar a liderança de nosso país no consumo destas substâncias, mesmo sem ser o maior produtor agrícola, e utilizando cerca de 1/3 da área plantada dos Estados Unidos.

O raciocínio simplista usado pela AGU, de que cobrar impostos sobre agrotóxicos elevaria o preço da comida, não leva em consideração uma série de aspectos econômicos e de saúde. A seguir, cito apenas alguns aspectos “esquecidos” pelos advogados:

1) Insumos externos (agrotóxicos, semente e fertilizantes) representam 37% do custo de produção agrícola, segundo a Conab. Só agrotóxicos representam 17%. Ou seja, sem agrotóxicos, com adubo natural e sementes crioulas o custo de produção ficaria até 37% mais barato.

2) A produção agroecológica, por outro lado, exige mais trabalho, o que poderia aumentar o custo. Mas isso deveria ser considerado um aspecto muito positivo, já que contribui para manutenção de pessoas no campo, aliviando a pressão nas insuportáveis metrópoles brasileiras. Hoje, 45% da população vive em 27 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes, e sofre com desemprego, falta de água, violência, falta de mobilidade, saneamento precário, arboviroses, horas perdidas no trânsito, entre muitos outros problemas.

3) Neste sentido, se atualmente o preço dos orgânicos é mais alto, isso não tem nenhuma relação com o custo de produção, e sim com a falta de incentivos públicos para o desenvolvimento da agroecologia. Basta olhar para a diferença dos planos safra: para o agronegócio, que só pode produzir usando muito veneno, pois é uma agricultura de monocultivo químico-dependente, o governo concedeu R$200 bilhões em 2016. Já para agricultura familiar, que tem totais condições de produzir de forma agroecológica, foram apenas R$30 bilhões. Não custa lembrar que em 2006 o IBGE registrou apenas 800 mil estabelecimentos não-familiares, contra 4,3 milhões familiares.

4) Ainda assim, pelo menos duas pesquisas recentes constataram que o preço dos produtos sem venenos pode ser menor que aqueles produzidos com agrotóxicos. O Instituto Kairós mostrou que, apesar de mais caros no supermercado, os orgânicos consumidos através de grupos de consumo responsável têm preço equivalente ao supermercado [1]. E um estudo do IFPE e Centro Sabiá [2], em Recife, mostra que as feiras agroecológicas daquela cidade são 19% mais baratas do que as feiras convencionais e até 70% mais baratas que os supermercados.

5) O modelo do agronegócio, largamente implantado no Brasil, produz muito mais commodities agrícolas do que comida em si. O Censo Agropecuário de 2006 mostra que 70% do que chega à mesa das famílias brasileiras vem da agricultura familiar. E onde o agrotóxico é aplicado? Segundo o Sindiveg, as culturas da soja (55%), milho (11%), cana de açúcar (7%) e algodão (7%) consumiram 80% do agrotóxicos usados em 2014. O milho, apesar de importantíssimo alimento, é em sua maioria exportado como ração animal. Os outros não são comida. Já o arroz e feijão, esses sim comida de verdade, representam apenas 3% do uso de agrotóxicos.

6) Pesquisa da Fiocruz revelou que cada dólar gasto com agrotóxicos gera um custo de até 1,28 dólares para o Sistema Único de Saúde nos tratamentos relacionados somente às intoxicações agudas, aquelas que aparecem logo após a aplicação do agrotóxico [3]. Em geral, quem sofre são agricultores e moradores do campo expostos diretamente aos agrotóxicos, maior parte das mais de 70.000 intoxicações por agrotóxicos dos últimos 8 anos, segundo o DataSUS. Se em 2014 o faturamento das indústrias de agrotóxicos foi de U$12,2 bilhões, de acordo com o Sindiveg, U$15,6 bilhões ou cerca de R$52 bilhões foram gastos para tratamento em saúde, apenas com as intoxicações agudas. As vítimas da cidade não são contabilizadas, pois estão mais vulneráveis a doenças de longo prazo e a correlação com agrotóxicos quase nunca é feita. Nestes casos, o tratamento com os problemas crônicos de saúde são mais caros e duradouros. Portanto, a conta do uso de agrotóxicos para os sistemas públicos e privados de saúde pode ser ainda mais alta.

Diante destes elementos, questionamos aos autores do parecer da AGU: a quem interessa a isenção de impostos para os agrotóxicos? Aos pobres do Brasil, que graças aos agrotóxicos têm a “benção” de poder comer comida envenenada? Ou ao agronegócio, que além de gerar doenças, expulsão de pessoas do campo, esgotamento dos solos e envenenamento de águas ainda é altamente ineficiente, pois em um hectare gasta 47 sacas de soja para produzir 49,7, segundo a Aprosoja-MT?

Não restam dúvidas, entre aqueles que de fato se preocupam com a saúde da população, de que solução para a fome no mundo é o desenvolvimento da agricultura camponesa de base agroecológica. E não são apenas os movimentos sociais que dizem isso: a própria agência de alimentação da ONU (FAO) reconhece que a agroecologia é a chave para erradicar a fome no mundo [4]. Grande parte dos famintos do mundo está na zona rural, onde o incentivo à agricultura familiar teria enorme impacto principalmente em relação ao autoconsumo e geração de renda.

Estudo de larga escala mostrou que a produtividade da agricultura orgânica com policultivo e rotação de culturas é apenas 8% menor do que da agricultura convencional [5]. Em um cenário de pouquíssimo investimento em pesquisa sobre cultivo orgânico, na comparação com o agronegócio, é um ótimo resultado e mostra a viabilidade do modelo em termos de produtividade, caso haja vontade política.

A cobrança de impostos sobre agrotóxicos e o investimento deste dinheiro no desenvolvimento da agroecologia é sem dúvidas o caminho seguro e saudável para evoluirmos na segurança e soberania alimentar do nosso país.

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Grupo Operativo

[1] http://institutokairos.net/2016/04/alimentos-sem-veneno-sao-sempre-mais-caros/

[2] https://issuu.com/centrosabia/docs/preco_dos_alimentos_agroecologicos_

[3] http://www.scielosp.org/pdf/rsp/2012nahead/3519.pdf

[4] https://nacoesunidas.org/agroecologia-e-a-chave-para-erradicar-a-fome-na-america-latina-e-caribe-afirma-fao/

[5] http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/282/1799/20141396

 

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