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Papo Esportivo | E quem é a CBV para falar de ética?

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Ouça o áudio:

Carol Solberg
"Ver esse desgoverno dessa forma, ver o pantanal queimando, 140 mil mortes e a gente encarando a pandemia desse jeito. É isso. Tá engasgado esse grito", disse Carol - CBV
CBV tem memória curta. Em 2018, ela defendeu a liberdade de expressão por apoio a Bolsonaro

Aquele que disse que essa pandemia está revelando a verdadeira face de muitas pessoas é um verdadeiro gênio. Não somente pela profundidade da reflexão, mas por finalmente dar razão ao que já se vem falando há muito tempo. Quantos CPFs e CNPJs simplesmente passaram por cima da questão mais importante desse momento (o respeito à vida) por um punhado de reais a mais no bolso?

E mais: quantas vezes você ouviu vozes dissonantes serem caladas por simplesmente não estarem de acordo com a “ordem estabelecida” ou por não agradarem a este ou aquele figurão?

Digo isto por conta do ocorrido com a jogadora de vôlei de praia Carol Solberg. Ela (que faz dupla com Talita e é filha da ex-jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei Feminino, Isabel Salgado) aproveitou a conquista da medalha de bronze na etapa de Saquarema do Circuito Brasileiro da modalidade para soltar o grito de “Fora, Bolsonaro”, ao vivo, quando concedia entrevista ao canal SporTV.

“Só pra não esquecer: fora, Bolsonaro!”

O protesto aconteceu na manhã do último domingo (20) numa “bolha” montada no Centro de Desenvolvimento de Vôlei durante as finais da primeira etapa da temporada. Em depoimento concedido ao jornalista Demétrio Vecchioli (do blog “Olhar Olímpico” do UOL), Carol Solberg explicou seu posicionamento:

“O ‘fora, Bolsonaro’ está engasgado aqui na garganta. Ver esse desgoverno dessa forma, ver o pantanal queimando, 140 mil mortes e a gente encarando a pandemia desse jeito. É isso. Tá engasgado esse grito. E me sinto, como atleta, na obrigação de me posicionar”, afirmou a atleta.

Os ataques não demoraram muito para começar. Se a fala de Carol Solberg ganhou eco entre os críticos e opositores do governo, vários perfis bolsonaristas iniciaram uma campanha pelo fim do patrocínio do Banco do Brasil à jogadora. O problema é que Carol não é patrocinada pelo banco estatal. O que existe é a obrigatoriedade de todas as duplas usarem os tops com a marca do patrocinador fornecidos pelo organizador do Circuito Brasileiro, a Confederação Brasileira de Vôlei. Se o top é padronizado com as marcas do Banco do Brasil, as outras partes da vestimenta podem receber os patrocinadores privados.

E é aí que as coisas começam a ficar interessantes.

O Banco do Brasil patrocina a CBV desde 1991, em acordo firmado no governo de Fernando Collor e renovado por Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. O contrato mais recente foi firmado em 2016 e garantiu reserva de R$ 218 milhões por quatro anos. A questão é que o acordo termina no final deste ano e ele corre um sério risco de não ser renovado.

Foi aí que surgiu a CBV com uma nota patética na qual dizia repudiar “veementemente” a atitude da atleta. Sintam-só a cara de pau…

A Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) vem, através desta, expressar de forma veemente o seu repúdio sobre a utilização dos eventos organizados pela entidade para realização de quaisquer manifestações de cunho político.

O ato praticado neste domingo (20/09) pela atleta Carol Solberg durante a entrevista ocorrida ao fim da disputa de 3º e 4º lugar da primeira etapa do Circuito Brasileiro Open de Volei de Praia – Temporada 2020/2021, em nada condiz com a atitude ética que os atletas devem sempre zelar.

Aproveitamos ainda para demonstrar toda nossa tristeza e insatisfação, tendo em vista que essa primeira etapa do CBVP OPEN 2020/2021, considerada um marco no retorno das competições dos esportes olímpicos, por tamanha importância, não poderia ser manchada por um ato totalmente impensado praticado pela referida atleta.

Por fim, a CBV gostaria de destacar que tomará todas as medidas cabíveis para que fatos como esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados.

A nota já seria patética apenas pelo fato dela existir. Mas ela fica ainda mais ridícula por conta do uso de um termo racista. Qualquer dicionário do mundo mostra que a palavra “denegrir” significa “tornar negro”, “difamar”, “manchar a reputação de algo ou alguém”. Essa expressão é altamente ofensiva por considerar algo negro como ruim.

Ao mesmo tempo, parece que a CBV tem memória curta. No dia 14 de setembro de 2018, logo após a vitória da Seleção Brasileira de Vôlei Masculino sobre a França (pela segunda rodada do Campeonato Mundial), duas imagens surgiram nas redes sociais. Nela, os jogadores Wallace e Maurício Souza manifestaram apoio ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Souza faz o sinal de 1 com as mãos enquanto Wallace faz o 7, formando o número do candidato.

Procurada na época pelo blog “Saída de Rede” (também do UOL), a CBV defendeu os dois atletas e a liberdade de expressão em nota. Confira:

“A CBV repudia qualquer tipo de manifestação discriminatória, seja em qualquer esfera, e também não compactua com manifestação política. Porém, a entidade acredita na liberdade de expressão e, por isso, não se permite controlar as redes sociais pessoais dos atletas, componentes das comissões técnicas e funcionários da casa. Neste momento, a gestão da seleção irá tomar providências para não permitir que aconteçam manifestações coletivas”.

Dois pesos e duas medidas, pessoal.

É claro que existe o medo de que o governo corte o patrocínio do Banco do Brasil como já fez com diversas outras estatais que patrocinavam outras modalidades. Vale lembrar que os Correios não renovaram o suporte dado aos esportes aquáticos, ao tênis e ao handebol. Além disso, a Secretaria de Esportes pode entrar em colapso com a saída de vários funcionários terceirizados. Isso causaria a interrupção do pagamento do Bolsa Atleta e da análise de vários projetos por falta de pessoal.

Ao mesmo tempo, conforme já amplamente divulgado pelo jornalista Lúcio de Castro (através da Agência Sportlight), a CBV esteve envolvida em uma série de irregularidades: corrupção, desvio de dinheiro público, contratos fictícios, fornecedores de pessoas ligadas aos dirigentes da entidade e muito mais.

Em tempo: um exercício interessante para o leitor é digitar na busca do Google as seguintes palavras: CBV e corrupção. Divirtam-se com os links encontrados.

A entidade que comanda o vôlei brasileiro nunca moveu um dedo para punir os envolvidos e recuperar o dinheiro desviado. A CBV que condena e repudia Carol Solberg é a mesma que passou a mão na cabeça de Wallace e Maurício Souza. É a mesma que vem falar de ética e liberdade de expressão quando tem um passado (e talvez um presente) marcado por casos de corrupção comprovados por uma série de reportagens do gigante Lúcio de Castro. É a mesma CBV que não trabalhou para sustentar o vôlei brasileiro sem a “boquinha” do dinheiro público do Banco do Brasil.

Sério mesmo que ela quer falar de ética? Sério mesmo que esses caras querem falar de liberdade de expressão? É tanta hipocrisia que não cabe nem dentro do Maracanãzinho.

O raciocínio aqui é bem simples. O Banco do Brasil pode sim se incomodar e retirar o patrocínio do vôlei brasileiro. No entanto, se isso acontecer de verdade, é porque esse governo não é lá tão democrático como seus defensores dizem ser e nem pensa no melhor para o esporte brasileiro. Logo, Carol Solberg acertou em cheio no protesto.

E a CBV passa a vergonha do ano ao falar em ética e retidão quando nem ela sabe como agir diante das notas que publicou.

Fica aqui toda a minha solidariedade à Carol Solberg, aos atletas e funcionários do governo federal que se levantam contra a injustiça, a mesquinharia e a hipocrisia de quem comanda as coisas por aqui.

Aquele abraço e até a próxima.

Edição: Eduardo Miranda